Funchal, 5 de novembro de 2014
Querido diário:
Chega a um ponto em que a pressão é grande, e a exigência ainda é maior, e é aí que paramos e ficamos pasmados com o nada. Quando a situação é estável, conseguimos ver preto, o que é muito bom por sabermos que na escuridão ainda existe a hipótese de ver algo, mas, quando o caso é grave, aí nós vemos branco em todos os lados. Hoje foi um dos dias em que por sorte a cor que me acompanhou foi aquela que me segue no descanso. As memórias voltaram, comecei a pensar no porquê de estar no patamar em que estou e a minha mente conduziu-me ao passado.
Eu tinha cerca de nove anos, e ainda vivia entre o verde dos picos e o dourado das dunas, o tempo era tudo, e o que me rodeava tinha um valor incalculável. Eu era apenas uma menina que ainda não tinha descoberto a grande paixão da minha vida, a música.
Saía de casa e ia para a escola, de seguida, ia para algumas das muitas atividades extracurriculares que tinha e voltava a casa. O tempo era perdido em risadas e breves brincadeiras, em grandes festas que enchiam a casa e deixavam no ar aquele cheiro bem conhecido.
Naquela altura, a escola e as atividades eram apenas complementos de uma vida fantástica, vida que eu não conhecia. Lembro-me de casa e de como cada parede parecia proteger-me, lembro-me de todos os aniversários, Natais, Páscoas, enfim, dias especiais em que o ritual era sempre o mesmo. Saía da cama e as arrumações já estavam a ser feitas, os enfeites natalícios eram sempre aqueles que requeriam a minha ajuda. Lembro-me de cada risco na parede feito por descuido, quando a caneta me escorregava da mão, lembro-me dos dias frios em que a lareira era acesa e as cartas tomavam o lugar na mesa, e das tardes em que a mesa de bilhar era motivo de reunião em família. Lembro-me também do dia em que tudo isso acabou, lembro-me do dia em que a música começou a fazer sentido. As tardes passadas a ouvir Bee Gees, ABBA e Queen começaram a fazer sentido e, de repente, até o som dos carros tinha uma nota. Eu acredito que tudo isso tenha servido para me conectar com algo maior, com algo que me ligasse a uma atividade capaz de atingir a perfeição, a música.
Os dias a partir daí não tinham o mesmo sabor, não tinham os mesmos sons, nem a mesma segurança. Eu caí, caí num abismo que parecia não ter fim, e não havia ninguém que me aconchegasse. Aí tudo começou a fazer sentido, todas as memórias, todas as músicas, todos os convívios, todos eles, desde uma simples folha de árvore do meu jardim ao grande sorriso do meu avô, me fizeram crescer e perceber que só damos o devido valor ao que perdemos quando já não o temos, o que fazer? Bem, foi num dia em que parecia não haver mais esperança, dia em que se deram três acontecimentos.
Eram cinco da tarde, não estava a sair do meu lar, mas sim de uma nova casa quando ouvi uma ambulância, mas não ouvia simplesmente o seu som, na minha cabeça ressoavam constantemente o nome de três notas. Mais tarde, as peças começaram a juntar-se e finalmente a fazer sentido. Boa noite.
Bons sonhos!
Marta Freitas (10º9)
Docente: Paula Barradas